sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Olhar para dentro e respeitar o tempo individual

Os benefícios que o slow content pode oferecer à saúde mental

Com cada vez mais conectividade à internet, crescem também os transtornos psicológicos e as mudanças nocivas à saúde no geral. Entretanto, a criação de conteúdo digital desacelerado, conhecido como slow content, pode oferecer benefícios à sanidade mental.

Segundo estudo da Universidade de Harvard, a luz azul da tela do celular ou qualquer eletrônico ocasiona um desajuste no relógio biológico. De tal forma que durante o dia os comprimentos de onda desse tipo de iluminação podem estimular a atenção, o tempo de resposta e até o humor, enquanto à noite os efeitos são negativos. Há uma diminuição dos níveis de melatonina — conhecida como hormônio do sono, que induz o indivíduo a dormir —, prejudicando a qualidade do descanso da pessoa.

Em um outro estudo, realizado pela MindMiners — empresa de tecnologia de São Paulo especializada em pesquisa digital — em parceria com o Núcleo de Inovação em Mídia Digital da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), 87% dos entrevistados afirmam acessar as mídias sociais antes de dormir, enquanto entre jovens de 18 a 24 anos esse número sobe para 94%.

A alimentação também é prejudicada — 47% dos entrevistados afirmam usar as mídias sociais durante as refeições —, ao mesmo tempo em que 31% já foram diagnosticados com ansiedade e 18% com depressão.

Por meio desse acesso cada vez maior à internet, a saúde mental pode ficar abalada. Para Felipe Alisson de Oliveira, analista de Recursos Humanos, de 28 anos, a internet se comporta como algo tóxico. “Considero tóxica por vermos coisas que não deveríamos, além de dispersar o tempo. Já tentei ficar longe das mídias sociais, mas acho que o vício é tão grande que é difícil de largar”, afirma Felipe. Ele acessa diariamente o Twitter, Facebook, Instagram e LinkedIn, mas mais quando recebe alguma notificação ou no tempo livre.

Já para a psicóloga Ana Luisa Lins Brandão, que publica no Instagram para conseguir visibilidade para o próprio consultório, a cobrança é grande para ter um conteúdo bom e que agregue no meio de tantos outros perfis. A maior parte dos pacientes dela são mulheres entre 18 e 25 anos e que sofrem de ansiedade.

Com a abordagem sistêmica — que abrange o todo por meio da análise das partes que formam o indivíduo —, Ana Luisa leva em consideração a integralidade da situação e entende que tudo está inserido em um contexto. De tal forma que a pessoa que chega na terapia descobre em que momento começou a própria ansiedade, onde está presente, como apareceu e o que se torna gatilho. Os transtornos, de acordo com a profissional, causam padrões comportamentais, sendo eles repetidos, entretanto as pacientes não fogem do que são. “Na terapia, sabemos quais padrões são saudáveis ou não e até que ponto a pessoa está aberta para mudanças”, afirma a psicóloga.

Os benefícios do slow content à saúde mental

O slow content mostra que a velocidade da internet é diferente à da vida real e leva em consideração o tempo individual de cada pessoa para a criação. Segundo a psicóloga Ana Luisa, olhar para dentro é respeitar essa singularidade para conseguir alcançar os objetivos pessoais da melhor maneira.

Ter como primordial o tempo individual é benéfico tanto para quem cria quanto para quem consome determinado conteúdo. Enquanto quem cria pode ficar refém, precisar registrar tudo, estar em lugares, fazer sempre algo para produzir e se não postar algo aquilo não ser considerado como real, quem consome tem a necessidade de estar sempre atualizado e, consequentemente, receber conteúdos além do que consegue digerir.

Mas qual o propósito dessa criação? É preciso sair do automático e tornar importantes os momentos de descanso. De acordo com a psicóloga Ana Luisa, mesmo as mídias digitais, principalmente o Instagram, estando com cada vez mais ferramentas, é necessário se permitir ficar no escuro, longe das telas dos eletrônicos, para não afetar outras áreas da vida, que ocasionariam estresse alto e ansiedade. Além disso, muitas pessoas colocam a própria autoestima na mídia social e não olham para outro aspecto, o que pode fazer com que a dependência digital apareça.

E não é só a saúde mental que sofre com a quantidade cada vez maior de informações e conteúdos diários: a vida como um todo também. Para a psicóloga, é preciso encontrar um equilíbrio, usar a internet de forma saudável, ter um horário específico para produzir e consumir, entender o que funciona para si mesmo, saber qual a disponibilidade emocional para essa criação e ter sempre em mente o propósito de estar fazendo isso. “É importante que a saúde mental seja compatível com aquilo que se diz na internet”, declara Ana.

Ainda conforme dados da pesquisa realizada pela MindMiners e o Núcleo de Inovação em Mídia Digital da FAAP, 56% dos entrevistados concordam em algum grau com a afirmação de que se abandonassem as mídias sociais ficariam desatualizados sobre alguns acontecimentos do círculo de amigos.

Síndrome de FoMO

É o que acontece com a hiperconectividade por meio da síndrome de FoMO. “Fear of Missing Out”, que traduzido em português é o medo de ficar de fora, foi descrito pela primeira vez em 2000 pelo estrategista de marketing norte-americano Dan Herman e definido anos depois pelos pesquisadores de Harvard e Oxford Andrew Pzybylski e Patrick MCGinnis como um medo de que outras pessoas tenham boas experiências que você não tem. É um dos principais sintomas de alguém que está viciado em mídias sociais: o receio de perder algo incentiva a conexão incessante para saber de tudo. A FoMO pode causar desde angústia e mau humor até depressão.

Felipe Alisson revela que já sentiu estar perdendo algo que os amigos mostravam na internet, mas não se importa tanto. Ele não procurou ajuda psicológica para entender a dependência com as mídias sociais, pois desativou algumas vezes, porém acha que acaba sendo muito solitário e por isso volta para o digital.


Mesmo com a hiperconectividade, o slow content é possível

O ritmo de criação da pessoa é o próprio dela ou aquele imposto pela velocidade da internet? Para a publicitária Luciana Manfroi, mestre em Ciências da Linguagem, com experiência desde 1996 em marketing e cinco livros publicados, os criadores de conteúdo têm compromissos com as marcas que os contratam para fazer publicidade.

Luciana explica que é preciso entender quem é a pessoa que produz, que há ética e questões humanas por trás e visualizar esse criador contratado como um veículo da marca. Se o rendimento não for o esperado, por exemplo, é preciso o disparo de um conteúdo mais instantâneo e acelerado — fast content — para que o nível da marca não decaia. Além disso, é necessário perceber que do outro lado da tela há uma pessoa de carne e osso, assim dando menos importância para quantidade de seguidores e não fazendo um esforço plástico, mas real.

Qualquer mídia social, para não perder usuários conectados, possui estratégia mercadológica bem estudada e pensada, de forma que tentem fazer com que essa pessoa que diminuiu o uso digital retorne. Da mesma maneira que, para criar um conteúdo desacelerado nas mídias sociais, é necessário estar presente, ter frequência. E essas mídias valorizam quem faz essa presença dos próprios seguidores ser alta.

Considerado por muitos como o terror das mídias sociais, o algoritmo tem a própria interpretação alterada constantemente, inclusive por cada um dos usuários, que ensina a máquina por meio das ações que faz. Porém, de acordo com Luciana Manfroi, o algoritmo também ensina, pois cria um ambiente único, em que capta o ser humano e cria uma narrativa, com formato, linguagem e plataforma que atraem. “Quem não gosta de uma forma de se envolver?”, questiona a publicitária.

Na criação de conteúdo é necessário envolver, ter uma linguagem mais próxima e não a alterar, ter domínio no que fala, independentemente de ser slow ou fast content, e entender o objetivo de comunicação. Com isso, a possibilidade de ter mais pessoas acompanhando o conteúdo produzido é grande, ainda de acordo com Luciana, que afirma não existir receita de bolo, mas entender individualmente, pois qualquer estratégia precisa de pesquisa.

Porém também existem responsabilidades para os dois lados. “Se não é possível publicar todos os dias e se a quantidade grande gera menos qualidade no conteúdo, é importante mudar essa forma. Não podemos ser máquinas, precisamos criar para nos diferenciar delas. As máquinas querem criar e o que sobra do ser humano é a questão social, de afeto e a criatividade”, declara a especialista.

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