segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Slow content como estilo de vida

A estrategista de mercado Sue Coutinho mostra para as marcas que quanto menos conteúdo, mais estratégico e melhor é a entrega na internet

Grande quantidade de textos, dados e informações — e no meio disso tudo as fake news, notícias falsas — são presenciados diariamente e a todo o momento no mundo. Mas não para por aí: a cada hora há o impacto de conteúdos novos publicados pelos criadores digitais nas mídias sociais. O slow content vai contra isso: é um pedido para ir mais devagar. Suellen Alves de Souza Coutinho, mais conhecida como Sue Coutinho na internet, é entusiasta de uma vida online mais positiva e criativa e tem o sonho de que a criação de conteúdo desacelerado não seja considerada como fora do normal no futuro.

Graduada em Moda com ênfase em Gestão de Produto e pós-graduanda em Marketing, Branding e Growth na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), ela trabalhou com grandes marcas do varejo, como a Privalia e o conglomerado de empresas têxteis Inditex, até conhecer o universo da economia criativa em 2017.

Sue, de 23 anos, começou a criar na internet de forma profissional aos 16, quando empreendeu com as marcas que lançou e organizava brechós mensalmente com as amigas na laje de casas das periferias de São Paulo. Mas desde os 11 escrevia sobre os assuntos que mais gostava nos blogs que tinha.

Em 2018, ela iniciou o Projeto Árvore, uma agência de comunicação e design digital para marcas sustentáveis que desenvolveu mais de 30 projetos no Brasil inteiro. Após isso, decidiu focar no próprio nome como forma de trabalho.

Com mais de 6 mil seguidores no Instagram e leitores no próprio site e na plataforma de blog Medium, Sue trabalha na criação de campanhas de marketing consciente. Área em que a ética é a palavra de ordem para todos os processos de uma marca, a estrategista conduz as empresas na comunicação por meio de narrativas autênticas e descentralizadas.

Slow content como filosofia de vida

Sue Coutinho conta que foi criança favelada e que, como todas que moram em comunidades carentes, teve que correr muito para sobreviver no sistema. Para ela, o slow vem mais de comunidades antigas do que de um movimento italiano, liderado por Carlo Petrini, pois considera que “a agitação constante não é normal de gente de verdade”. Mas como transitar de um ritmo acelerado para o slow?

De acordo com Sue, a velocidade da internet não é a da vida real, de modo que a postura ocidental faz com que a pessoa trabalhe sem parar e a inteligência artificial, como o algoritmo das mídias sociais, dribla o funcionamento natural de um conteúdo.

Sue avalia que, em algumas situações, o estilo slow pode existir de forma natural quando não estamos conectados à internet. Ela acredita que, um bom exemplo disso, é o que aconteceu com a audiência do podcast AmarElo Prisma, que compõe um projeto multiplataforma do rapper Emicida. Jovens que pegavam ônibus, colocavam o fone de ouvido e escutavam o episódio no caminho para a aula ou o trabalho. Para Sue, “o slow tem a raiz na favela, principalmente de quem não tem tempo e não pode ser telespectador da vida dos outros”.

A estrategista, que morava em São Paulo e atualmente está em Salvador, na Bahia, também pratica o slow travel na própria vida. Mais um movimento do slow que vai ao encontro da negativa do acelerado, contra a rapidez, que leva em consideração a viagem mais consciente e com propósito, e que entende a rotina e cultura do lugar visitado de forma mais ampla, a favor de experienciar e viver por completo.

Para Sue, as pessoas não fazem o slow content em primeiro momento: elas vivem o slow living e, pela experiência, conhecem o modo de criação consciente. O movimento desacelerado é político, de articulação e de cobranças de responsabilidade. De tal forma que as empresas criadoras das mídias precisam arcar com os impactos na sociedade e o slow luta para que isso seja feito.

Slow content se torna, então, uma filosofia de vida, em que cada um vive com o próprio ritmo e leva isso para a criação de conteúdo individual. Sue declara que isso deveria ser o normal, pois o contrário deixa as pessoas ansiosas e sem reflexão. “É preciso se questionar: que internet eu quero que exista para mim, meus amigos e pessoas do outro lado da tela?”, interroga a estrategista.

Além disso, se dizem que quem não é visto, não é lembrado, Sue afirma que criando conteúdos bons para as pessoas, que agreguem valor, elas vão falar sobre, sendo um ciclo natural da vida. Tendo consistência, a autoridade é construída por repetição e afirmação. Assim, a tomada de decisão passa a se integrar com o todo. “O slow content é uma não-afirmação de que produzo menos e ponto”, declara Sue, que preza pela importância de somente vivenciar e experimentar.

A conexão é o que importa

Com o lema “o futuro é uma conversa que puxamos hoje”, Sue levanta essas e outras reflexões tanto no Instagram — que não é a plataforma de conteúdo considerada principal por ela — quanto no próprio site e no blog hospedado no Medium. Ela alerta o cuidado que deve ser tomado com as fórmulas divulgadas diariamente por pessoas na internet — do tipo “tem que” postar um número exato de conteúdos —, inclusive com o que se coloca na internet: é preciso aprender antes de ensinar.

Entretanto Sue não considera fácil respeitar o próprio ritmo ao mesmo tempo em que as mídias sociais podem privilegiar quem posta mais. Para ela, está todo mundo fazendo além da conta e dá medo de verdade. “A parte que ninguém quer fazer é conversar com as pessoas, e é isso que importa, ter essa troca”, declara Sue Coutinho.

Se o slow content preza por uma vida digital consciente, Sue afirma que as mídias sociais funcionam como ferramenta para ela e qualquer pessoa do marketing. Fotógrafos e escritores, por exemplo, já são criadores de conteúdo para a divulgação do próprio trabalho, de tal forma que a estrategista trabalha com marcas que participam desse mesmo processo.

Além da consciência, existe uma corresponsabilidade, que é preciso existir tanto do lado de quem produz quanto de quem recebe o conteúdo. Antes de ajudar as pessoas, Sue declara que precisa se colocar em primeiro lugar, assim como o slow content é sobre o indivíduo. “A internet está aí, o que você vai fazer? A vida é muito boa para se viver e precisamos experienciar”, afirma ela.

A criação para as marcas

Sue Coutinho mostra para as marcas que quanto menos conteúdo, mais estratégico e melhor é a entrega na internet. Entretanto, para ela, “as empresas não têm essa ideia de criar digitalmente de forma desacelerada: não aceitam o fato de que é possível ter resultado produzindo menos”. “A comunicação passou da fase em que a pessoa emite a mensagem e a outra aceita. É preciso dar espaço à comunicação com troca”, afirma ela.

Sue já trabalhou com marcas que postavam muito, não atingiam as pessoas e a interação era quase nula. É preciso conhecimento estratégico, assim como qualquer marketing: saber do que o negócio precisa e como chegar a esse objetivo. De tal forma que, assim como para as marcas, os criadores de conteúdo no geral também são beneficiados com o slow content: com criatividade, diferencial, autenticidade e apropriação do próprio repertório.

Para a estrategista de mercado, é importante ter experiência em outras áreas e provar delas, assim como ter referências mais artísticas e absorver esses espaços. Assim há mais exemplos para trabalhar e uma mudança na forma de produção e construção de inspirações.

Ensinamentos no analógico

Com a ideia de intoxicação como dificuldade para administrar a avalanche de informação que somos bombardeados diariamente, Sue criou um financiamento coletivo do livro “Uma conversa de presente”, que será lançado em janeiro de 2021. A obra convida a pensar nos rumos da comunicação e do marketing na contemporaneidade. São 19 ensaios sobre cultura, sociedade e comunicação divididos em cinco grandes eixos temáticos: Uma Breve Viagem; A Consciência do Tempo; Além da Tela; Cultura, Pessoas e Comunicação; e O Futuro é Consequência. 

Porém, para o livro ser lançado, Sue precisa da ajuda para cobrir as despesas com impressão e todo o trabalho editorial. As recompensas vão desde o nome de quem ajuda no financiamento nos agradecimentos do livro, e-book e livro físico até consultoria de slow content na prática com a Sue. O apoio começa em R$19. A meta é chegar a R$15 mil até dia 23 de dezembro, então falta pouco mais de uma semana para quem quiser ajudar.

Segundo ela, além do slow, a obra abordará outros temas, como democracia, racismo, marketing consciente e por que tratar dessas questões agora.


Para aprimorar ainda mais o debate, Sue indica quem cria de forma desacelerada ou ajuda nesse processo: Higor Neres, do Marketeiro de Quebrada, que ensina o marketing para a periferia; Fernanda Resende, que auxilia as pessoas a se apropriarem da própria singularidade, além de se expressarem de jeitos saudáveis na internet, no vestir e na vida; Moving Girls, marketing de comunidade para mulheres que constroem a própria história; Tiago, do Tira do Papel, que mostra como começar a criar conteúdo com constância e respeitando a saúde mental; Monique Evelle, que trabalha com criatividade e empreendedorismo, regados de reflexão; Bozoma Saint John, diretora de marketing global da plataforma de streaming Netflix e que já ocupou postos de chefia na Apple Music e Uber; M.M. Izidoro, diretor e roteirista do podcast AmarElo Prisma e que fala de criação consciente na internet; Isis Almeida, do Se Organiza, Bonita!, que mostra organização pessoal acessível, produtividade e autoestima para quem não tem grandes privilégios; e Matheus Ilt, criador de conteúdo desacelerado que faz pequenas reformas e Do It Yourself (DIY) — faça você mesmo —, além de ser apresentador do programa Arrasta Móveis no canal GNT.

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