domingo, 4 de outubro de 2015

O sorriso da boneca

(WeHeartIt)

Mamãe segurou minha mão e me ajudou a escolher um brinquedo que eu pudesse levar comigo. Escolhi a boneca mais sorridente, pois queria que aquele fosse o sorriso dado por mamãe quando encontrássemos nosso lugar. Eu já não sabia onde meus amigos estavam no meio daquela bagunça lá fora. Minha casa não tinha mais a mesma aparência alegre de antes e meus pais haviam decidido que aquele era o momento certo de dar adeus ao nosso país.
Abracei minha boneca como se ela fosse meu único tesouro e não soltei a mão de mamãe assim que saímos de casa. Vestíamos roupas emprestadas e limpas de nossa vizinha, porque nossa identidade precisava ser preservada e, como papai havia dito, todo cuidado era pouco. Andamos por entre construções destruídas e tentei acompanhar o ritmo dos meus pais com minhas pernas pequenas. Faltava pouco para chegarmos até o barco que nos levaria a algum lugar distante dali.
Quando o avistamos, percebemos que ele era pequeno de mais para a quantidade de gente que iria conosco. Mamãe e papai se entreolharam e mamãe balançou a cabeça de modo afirmativo. Nós não éramos de desistir, eu sabia. Logo que embarcamos, sentimos a liberdade dominar nosso interior e as ondas deixadas para trás eram uma prova de que estava dando certo. Mas, de repente, senti meus pés ficarem molhados. Olhei para o chão e gritei ao ver que o barco estava furado e prestes a afundar. Fiquei apavorada, pois mamãe e papai não sabiam nadar. Eles sabiam desse risco, mas aquela era nossa única chance de viver melhor.
Eles me deram beijos de despedida, enquanto eu tentava não sair da superfície do mar. Ainda agarrada a minha boneca, tentei nadar ao encontro dos outros refugiados. Em uma última olhada para trás, gravei na minha mente a cena dos meus pais se afogando e morrendo de mãos dadas. Em um pequeno vislumbre, vi mamãe sorrir para mim. Eu não sabia o que seria de mim, então apenas deixei as lágrimas se misturarem com o mar e me agarrei ainda mais à boneca, esperando poder brincar com ela novamente.

Vanessa Esteves

[Escrito às 15:30 do dia 03 de outubro de 2015.]     

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