quarta-feira, 16 de setembro de 2015

A única chance

(WeHeartIt)

Eu percebi alguns olhares em minha direção. Uns eram discretos, já outros apenas tentavam ser. Sentei-me no assento do ônibus próximo ao cobrador, para assim eu poder perguntar em que ponto descer. Hoje era meu primeiro dia trabalhando em uma construção. No Haiti, eu apenas projetava as obras, mas nunca precisei colocá-las em prática. Lá, o meu diploma de formação superior era importante, mas aqui, no Brasil, era somente um pedaço de papel. 
Embora eu soubesse que havia mais oportunidades de melhorar a minha vida e de minha família, que havia ficado lá, já não aguentava mais os olhares de julgamento recebidos aqui. A vida no meu país tornou-se precária de uns tempos para cá, e imaginar e perceber que alguns brasileiros tinham um preconceito com minha cor de pele e país de origem doía no meu coração.
Entreguei o papel do endereço da construção ao cobrador e ele parecia não entender minha letra. Tentei explicar com minhas palavras o que o chefe havia me dito, porém ele ainda não me entendia. Neste momento, mais pessoas começaram a me encarar e o meu suor só aumentava, pois a temperatura era de quarenta graus. Fiquem sem reação quando o cobrador me disse que eu estava no ônibus errado.
Instantaneamente saí correndo levando comigo o pedaço de papel. Pela pressa, acabei esbarrando em um homem e ele me insultou com palavras muito feias. Virei para trás, me desculpei e continuei correndo para o ponto de ônibus do outro lado da rua, torcendo para que ele me levasse ao meu destino.
Entretanto, o homem me seguiu, disse que o esbarrão não sairia barato e que aquele nunca seria o meu lugar. Foi então que senti duas mãos me jogarem para frente. Assim que cheguei no chão senti meu rosto sangrar e toda minha felicidade se esvair. Continuei escutando insultos e senti pontapés no estômago. Eu já não conseguia respirar direito, até que o homem saiu correndo. 
Ele me deixou para trás, sem esperanças, enquanto o preconceito pulsava em todas as partes do meu corpo e eu via o ônibus certo passar. E, naquele momento, eu perdi a única chance que possuía.

Vanessa Esteves

[Escrito às 09:00 do dia 02 de setembro de 2015.]

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