segunda-feira, 4 de julho de 2016

Amparo provisório


Acorda desanimado, lava o rosto com água fria e bebe um café forte para ver se cura a ressaca da noite anterior. Ele já está cansado da vida que leva e às vezes nem sabe o que decidir pela frente. Sente falta dos amigos que sempre o convidavam para dar uma volta e até dos vizinhos que encontrava no elevador.

Agora o que menos tem é vontade de sair de casa, até mesmo quando o salário cai na conta no começo do mês. Nunca foi um homem de esbanjar, porém o que o anima de vez em quando é escolher uma balada aleatória da cidade, comprar algumas bebidas e ficar num canto analisando as pessoas. Ele sempre foi de analisar e parece que faz isso muito melhor quando tem álcool no corpo. 

Na verdade, ele só age desse jeito para fingir que seus problemas não existem. Ele está prestes a completar 20 anos e ainda não entende como pode ser tão difícil tornar-se um adulto. Não quer contas para pagar, horários muito fixos e nem falsidade ao seu redor. Já cansou de ser enganado por aqueles que um dia disseram o amar.

Porém ele continua seguindo em frente, às vezes deixando umas lágrimas caírem porque, bom, ele é homem e sente que tem o direito de chorar. “Coisa mais besta essa regra que impede os homens de serem humanos, caramba”, ele pensa ao se olhar no espelho e chorar ainda mais. Diz que não consegue encarar seu reflexo com os olhos vermelhos de choro e não derrubar ainda mais lágrimas. 

Isso de persistência ele aprendeu com a mãe, que nunca deixou a peteca cair e estava preparada para qualquer desafio. “A vida é uma só”, ele escutava sair da boca dela enquanto pegava no sono na infância. Sente saudade dos cafunés que recebia dela todas as noites e das frases motivacionais espalhadas pelas paredes da casa em quadros decorados pela própria mãe. Agora já não os tem, pois se continuasse morando na mesma casa em que vivia com ela teria que enfrentar todos os dias muito de sua mãe em um lugar só. Perdê-la nunca foi fácil e por isso ele se distanciou tanto do mundo.

Ele ainda vive a dor do luto e a cada conquista pensa como seria comemorá-la com a mãe. Os dois sairiam para jantar, brindariam e ficariam dando risadas dos obstáculos que pareciam tão impossíveis no passado. Porque, na verdade, ele sabe que a vida é assim mesmo. Mas no momento não consegue pensar em conquistar algo que esteja fora de sua rotina cansativa.

Em uma breve olhada pela janela de seu pequeno apartamento, porém, ele observa o sol nascer e sabe, de alguma forma ele sabe, que a mãe o mandará alguma frase motivacional que o fará sentir que não está sozinho. De vez em quando ele tem dúvidas quanto a existência de Deus, entretanto sente que onde quer que ela esteja ela estará tentando dar a mão a ele. Não era por acaso que na infância ele ficava mais calmo quando depois de um choro ou uma queda no parquinho sua mãe segurava firme uma de suas mãos.

Os raios de sol começam a incomodar sua visão e uma dor de cabeça ameaça chegar, então ele fecha os olhos, respira fundo e se arruma para mais um dia de trabalho. De alguma forma, sua mãe o acompanha em sua rotina. Ele não sente, ele não vê e ele não sabe, mas ela está segurando uma de suas mãos desde o dia em que disse adeus. Entretanto não vai depender dela a vontade de seu filho de ter mais conquistas em sua própria vida. Ele ainda não amadureceu o suficiente para saber que ninguém depende do outro para correr atrás dos seus sonhos. E ele definitivamente ainda não está preparado para correr. Não enquanto ainda precisar segurar a mão de sua mãe.

Vanessa Esteves

[Escrito às 21:05 do dia 04 de julho de 2016.]

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